sábado, agosto 23, 2008

Zé Bala, o Incompreendido

A carreira de José começou precisamente da mesma forma que acabou: alguém achou que o Ginola de bolso não valia a pena.
Mas como? Afinal, estamos a falar de um dos mais emblemáticos jogadores lusos dos anos 90, e simultâneamente um pequeno Deus em Inglaterra, terra de big balls e small brains.
Vamos lá, então. Mantenham por favor o ênfase na palavra "pequeno", pois foi por causa da sua diminuta estatura que o José se viu dispensado do Benfica de William em 1993, após uma época emprestado ao bem-aventurado Sintrense. Porém, José caiu de pé.

A chuvosa e desinteressante Birmingham foi quentinha e acolhedora o quanto baste para este jovem lisboeta, ansioso por moldar a plasticidade do futebol a seu bel-prazer, manuseando a redondinha com a alegria de um Eduardo Mãos de Tesoura a cortar a mullet de Skuhravy.
Velocidade, destreza, facilidade em limpar o cotão por baixo da cama, criatividade e repentismo foram algumas das qualidades que tornaram o público inglês e dois coelhos em fãs acérrimos de José.
As críticas positivas sucediam-se e o modesto Birmingham já estava a um passo da Premier League inglesa, após a meteórica ascensão nas asas do pardalito luso, que voava graciosamente entre os desajeitados bisontes da Velha Albion.

Mas se pensavam que o Sporting de Queirós e Palmelão estava a dormir, enganam-se. No Sporting não se dorme, o que explica as olheiras de Afonso Martins e Nuno Assis.
Os responsáveis leoninos viram em José um extremo capaz de fazer miséria aos Sábados e não descansar aos Dominguez, e partiram também eles destemidos para a sua aquisição.
Dominguez era finalmente Leão - e Leão era do Salgueiros (na verdade, iria rumar a Alvalade em 1997, mas eu paro com os trocadilhos fáceis).

De volta à sua terra natal, o sol parecia brilhar para José. Infelizmente eram apenas as luzinhas das sapatilhas novas do Mauro Soares, que as comprara por 1.500$00 na Feira do Relógio, mas como o José é muito baixinho, nós compreendemos a confusão.

De qualquer forma, o Mundo parecia novamente um episódio da Rua Sésamo. Muitas cores, sorrisos, felicidade e pessoas com 1,20m. José vivia a melhor fase da sua carreira até ao momento. Assumindo o papel de suplente de luxo, o Zé Bala entrava para destruir o que restava do ego dos laterais adversários, fazendo gala da sua velocidade supersónica, drible apostólico e falta de objectividade divina.
Em Alvalade, era mais popular que o courato, principalmente quando formava a disfuncional ala esquerda com o imortal Vujacic.

Mas nem tudo eram rosas, tulipas e Chipendas para o nosso diminuto herói. A partilhar o balneário (entre outros sítios) com ele tinha a nemesis de Rei Artur - Ricardo Sá Pinto - e o enfant terrible da nossa bola, o new kid on the block Dani.
Juntos formaram uma clique que ficou conhecida como "Os Três Mosqueteiros":

-Athos/Sá Pinto é um nobre de alma pura (o menino da Foz) que carrega um terrível segredo, decorrente de um casamento mal fadado com Milady Arthur George.
-Porthos/Dominguez é a personagem alegre e vaidosa. A sua "catchphrase" é "O cabelo é a estrela. Eu só ando por baixo dele."
-Aramis/Dani é o playboy talentoso. Falso, mas extremamente amigável. Tenta esconder os seus inúmeros romances dizendo estudar ou jogar à bola com os compichas.

As suas incursões pela vida nocturna ficaram famosas. Os Três Mosqueteiros viviam intensamente as noites loucas de Lisboa, frequentando as discotecas mais "in" e alguns estábulos.
Eram tempos de folia desbravada. Tornaram-se companheiros de festa dos deuses do rock Delfins, cantando juntos melodias de amor com gelados Epá e copos de leite morno de permeio. São lendárias as cenas de pancadaria e violência com os rivais Pólo Norte na Big Cansil, todas as primeiras quintas-feiras do mês. As mulheres eram uma perdição e sentiam-se atraídas por este trio como uma deserta bancada por um cruzamento de Nenad ao terceiro poste.
Os três jovens estraram numa imparável espiral de decadência, chegando aos treinos de directa, vestidos com lingerie de mulher, ou não chegando mesmo. O bafo a limonada e marcas de batôn no cabelo indiciavam aquilo que toda a gente já sabia, mas não queria ver: as montagens de sequências desportivas com rock dos anos 80 em filmes tipo Rocky IV são foleiras os Três Mosqueteiros tinham de ser separados. Octávio Machado vestiu a pele de Cardeal Richelieu e destruiu o trio para sempre, na tentativa de salvar a carreira destes indomáveis jovens e o seu próprio emprego.
Ricardo foi socar treinadores para o País Basco, Daniel foi hipnotizar bifas para Amsterdão, enquanto foi passear o seu penteado pós-grunge para Inglaterra.

Sozinho em Londres, José Dominguez não demorou muito até se tornar numa estrela. Ainda mal tinha pisado o relvado de White Hart Lane (ou sido pisado por um colega 30cm mais alto), e já tinha batido um record: o jogador mais baixo da história da Premier League, do alto dos seus 1,60m. A sério, esta parte nem sequer é no gozo. Consultando a tabela que o site da Premier nos oferece, observo também que Clint Marcelle é o 5º classificado da mesma. Representin' Portugal, b-atches!Mad props!

















Claro que com este cartão de visita, o caminho já estava meio trilhado, e a locomotiva liliputiana tinha como destino a estação da imortalidade, com paragens nos apeadeiros da fama e da glória suprema. Tal como em Birmingham, o português arrebatou o coração dos adeptos ingleses, qual destemido cupido sem pejo de partir para o drible no 1 contra 4.
Mas essa mesma forma destemida e por vezes descabida de conduzir a bola acabou por conduzir os responsáveis do clube inglês contra si: o futebol inglês implora por objectividade como Mihaylov suplica por um capachinho, deixando José em maus (e pequenos) lençóis. Começava a esgotar-se o tempo do lusitano em Londres, como um relógio barato depois de ir à água. A pouco e pouco ia-se apagando. Começava a atrasar-se cada vez mais. Fraquejava. Até que foi relegado para a gaveta dos maus relógios (leia-se "reservas"), sendo utilizado apenas quando combinava com uma ou outra fatiota especial de Dominguez Domingo.

Chutado sem apelo nem agravo para a terra de Backhühnchen, Schweinebraten, Rinderbraten, Sauerkraut e Dampfnudeln, Zé Bala tentou reanimar a sua carreira pela terceira vez ao serviço do Kaiserslautern, mas os problemas de sempre persistiram. Foram quatro anos a driblar junto da linha de meio-campo, a tentar o 1 contra 6, e a mostrar qualidades artísticas sempre que sofria uma falta, rebolando 15 vezes sobre si mesmo como se tivesse sido atingido por uma caçadeira apontada pelo olho clínico do trinco/coveiro Amaral. O resultado foi o do costume: os adeptos adoravam-no, os responsáveis do clube nem por isso. Rua com ele.

Seguiram-se o Qatar e o Brasil, já numa tentativa desesperada de encontrar um futebol que se baseasse na anarquia e no desprezo profundo por todos aqueles que apregoam que a táctica e o senso comum têm lugar na bola moderna. Também não foi desta. Aos 31 anos, o último romântico pendurou as botas por não haver futebol que o compreendesse.
Posteriormente, tentou jogar à redondinha na praia, mas nem sequer os largos anos de experiência como brinca na areia certificado chegaram para encontrar o seu lugar como novo artista à beira-mar. Uma vez mais incompreendido.

Mas aqui estás entre amigos.
José, aqui és compreendido. E não é só aos Dominguez.

15 comentários:

Ricky_cord disse...

Apesar de reconhecer que o seu jogo era pouco eficaz, quando eu era puto o Dominguez era dos meus jogadores favoritos...

Rodrigues disse...

Bonitas as referências aos Pólo Norte e ao Rambo IV, bem como os trocadilhos Domingo/ Dominguez. A diferença de estatura Vujacic/ Dominguez era mesmo mais ou menos aquela!

Porém, a humilhação suprema de Dominguez e de todos aqueles que estiveram em Alvalade nos loucos anos 90 foi aquela comemoração de que Dominguez foi mentor: uma espécie de dança tribal do marcador do golo, na qual este se ridicularizava publicamente, com meia-dúzia de colegas sem noção de mau-gosto a baterem-lhe palmas formando um círculo à sua volta. Verdadeiramente confrangedor. Directamente para o primeiro lugar do pódio das celebrações mais embaraçosas, ultrapassando a desenvergonhice comercial da t-shirt "Porque será?" do Guaraná Jardel.

Anónimo disse...

Um brinca na areia não conseguir lugar no futebol de praia... priceless.

Anónimo disse...

um jogador de extremos,levava os adeptos da loucura à depressão por vezes na mesma jogada...tanto aos sábados, como aos dominguez :)

Anónimo disse...

Nós esquecemo-nos é que se o Dominguez não tivesse ido para o Vasco da Gama, o Paulo Madeira Nunca mais se tinha ido embora também para o Brasil!!

Malfadado MicroZé, que nos levaste Paulo e deixaste um Ayew choroso, suplicando por mais uma escorregadela do nosso Paulinho!

Anão ser por isso (não resisti ao trocadilho fácil!) serás sempre GRANDE na minha memória MicroZé!

Serás tu e o Nalitzis!!

Abraço

Ivo

Anónimo disse...

O Zé deve ter sido o jogador preferido de toda uma geração de putos nos 90's:

1º era da altura deles,
2º o discernimento em campo era de certa forma semelhante
3º fazia fintas mais fixes que o Fábio do 6ºC
4º celebrava os golos como a turma do 5ºB, como o Rodrigues relembrou

Rodrigues disse...

Bem visto, Fitzx. Acho que em termos sociológicos era mesmo assim. Para mais, o Dominguez pavoneava-se com aquela poupa que cativava as atenções de qualquer Rute ou Cátia das C+S's desse país fora. Ainda as vejo a ouvir "Saturday Night" da Whigfield na pista dos carrinhos de choque, abanando os seus blusões de ganga da Lois enquanto alarvemente mascavam uma Bubbaloo de maracujá e admiravam um poster do Dominguez saído na Super Jovem. Enquanto isso, o carrinho de choque comia a nossa chapa e nós éramos abalroados, indefesos: PÁS!

Mas isto se calhar já não vem muito ao caso.

Anónimo disse...

Eu concordo com tudo o que dizem, mas não podemos esquecer que em Figueiró dos Vinhos, o André do 9ºA já tinha o novo Cd dos Vengaboys, e portanto, pelo menos em Figueiró, o MicroZé começava a perder estatuto...

Aliás, acho que foi quando a Kathya Solange do 8ºD tirou o poster do MicroZé da porta do roupeiro, que lhe tinha saído na Ragazza, que ele começou a definhar para a bola.

O princípio do fim.Tudo por um mísero Cd...

Ivo

Anónimo disse...

Mísero não...são os Vengaboys, não estamos a falar duns Corona ou 2Unlimited qualquer. O André do 9ºA reparou é que já tinha mais uns 15 cm do que o Zé, o que o fez mudar as suas preferências da bola para o Peixe. Esse para além de ter um penteado fixe, tinha aquele ar depressivo que a geração grunge tanto admirava.

Aliás, poderíamos fazer uma dissertação sobre a importância do Peixe e do Sérgio Cruz para a referida geração, e mostrar como o Carlos Carneiro tenta assumir esse mesmo papel de Eddie Vedder dos relvados já no Séc XXI.

Mas isso já é demasiado Poleksic para o nosso Arriaga, digo eu...

Anónimo disse...

Sim, também é verdade, mas se fosse um Onda Choque ou um Eiffel 65 percebia com mais facilidade!

Quanto ao Carlos Carneiro, de facto era um tema que nos podia levar muito longe, até porque tinhamos que falar do Renato Queirós e do Rui Baião, mas isso ia dar muito pano para fatos do MicroZé.

Além do mais acabei de almoçar e acho que não me caiu lá muito bem a sopa de Nereu...

Ivo

Gabriel disse...

É vergonhosa a linha visual que o futebol portugues teve... passamos do paradigma bigode/mullet dos anos 80, bem ao estilo de 1 Eskilson Bon Jovi e de 1 Veloso Lukather, pra 1 visual chunga Domingues Venga Boys... vergonhoso!

Gabriel disse...

Ainda bem que ainda temos 1 Paulo Sousa Coverdale a defender a alma do visual oitentista!

Anónimo disse...

Hah. este blog mata-me, como se de uma entrada Kamikaze de Paulinho o Santo sobre João o Pinto se trate! Um bem haja e um Wilson Júnior (quiçá filho ilegítimo do calvo bulldozer Angolano) fresco com tremoços.

Anónimo disse...

Faltou referir que o Dominguez fazia ainda da sua baixa estatura um arma contra a ameaça nazi.

Anónimo disse...

um colega meu lagarto chegou a dizer que o Dominguez era melhor que o João Pinto (quando me arranjou um cromo do mesmo repetido)

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